#FLAGvox | A era do imprevisível: quando o preditivo se engana com confiança

Quanto mais modelos criamos para eliminar o acaso, mais visível ele se torna. A IA aproxima-nos de uma previsibilidade quase perfeita, mas o comportamento humano insiste em desafiar a lógica.
No marketing, nunca tivemos tanta capacidade para prever o que vai acontecer e, paradoxalmente, nunca estivemos tão expostos ao inesperado. A inteligência artificial ampliou o alcance da análise e a velocidade da decisão, mas também expôs a fragilidade do controlo. Mesmo com todos os dados do mundo, o futuro continua a comportar-se como se não tivesse sido avisado.
O marketing habituou-se à ideia de que, com informação suficiente, o comportamento humano seria decifrável. Bastaria recolher dados, cruzar padrões, alimentar modelos. Acreditou-se que a tecnologia nos daria o mapa completo da decisão e que o imprevisto, com tempo e cálculo, deixaria de ser um problema.
A inteligência artificial deu corpo a essa ambição. Hoje é possível ajustar campanhas em segundos, identificar intenções antes de elas se tornarem ações e desenhar mensagens adaptadas a cada perfil. Há dashboards que mostram o estado emocional do público antes de sabermos descrevê-lo. A eficiência nunca foi tão alta, pelo menos até ao momento em que o público decide ignorar tudo.
Quem trabalha no terreno reconhece essa sensação: o sistema funcionou, mas o comportamento real seguiu outro caminho. A campanha com todas as métricas certas não resulta; a ideia testada à pressa dispara sem explicação. E, no meio dessa confusão, os relatórios continuam impecáveis.
A IA trouxe precisão, velocidade e alcance, e é, sem dúvida, o maior salto que o marketing deu desde o digital. Mas o mercado continua a ter pulso próprio e o comportamento é um contexto em movimento. Prever não é compreender. Os algoritmos reconhecem padrões, mas não entendem o que nos move. Mostram o que acontece, não por que acontece. E é nesse intervalo entre o número e a narrativa que a comunicação continua a ser humana.
O paradoxo é evidente — quanto mais modelos criamos para eliminar o acaso, mais visível ele se torna. A IA aproxima-nos de uma previsibilidade quase perfeita, mas o comportamento humano insiste em desafiar a lógica. Pequenas decisões mudam tudo. O tom de uma resposta, o contexto de uma imagem, o humor de um dia. O que é ruído para a máquina é sinal para nós.
Acredito que o desafio atual não está na escolha entre dados ou intuição, mas fazer com que se escutem. A IA é extraordinária a prever padrões mas nós continuamos melhores a interpretar exceções. O futuro do marketing depende da utilização de ambos com lucidez, sem arrogância tecnológica nem nostalgia analógica. A tecnologia aproxima-nos do previsível, mas aquilo que realmente nos move ainda não tem código. E é aí que a criatividade, a empatia e o contexto voltam a ter valor.
Artigo de Opinião em: +M | Texto de: Gabriel Augusto











