#FLAGvox | Marketing com propósito ou “storytelling” enlatado?

Fala-se de sustentabilidade em empresas que ignoram a sua pegada real. Grita-se diversidade a partir de equipas onde ninguém é diferente. Promete-se bem-estar em culturas que esgotam quem lá trabalha.
O marketing com propósito habituou-se ao conforto do ‘storytelling’. Um manifesto bonito, uma causa nobre, uma realização em vídeo comovente… e lá se construía uma aparência de compromisso.
Mas há algo que já não passa despercebido: o sabor artificial. O propósito, quando é só embalagem, transforma-se em ‘storytelling’ enlatado, e isso já não alimenta ninguém.
Hoje, já não chega contar bem; é preciso fazer bem. O propósito passou a ser critério de decisão. Estratégico. Interno. Exigente. Os consumidores querem saber se aquilo que se diz se confirma naquilo que se faz. E o que era uma tendência virou filtro, um filtro que separa as marcas que ensaiam discursos das que vivem princípios.
O problema é que o marketing, na pressa de amplificar a história, esqueceu-se de confirmar se havia história para contar. Fala-se de sustentabilidade em empresas que ignoram a sua pegada real. Grita-se diversidade a partir de equipas onde ninguém é diferente. Promete-se bem-estar em culturas que esgotam quem lá trabalha. E o público já não compra essa encenação.
Vejamos o que acontece (ou não acontece) todos os anos em junho. O arco-íris pinta embalagens, logótipos e redes sociais, mas será que pinta também as políticas internas? Quantas marcas que celebram o Pride Month têm equipas diversas, processos de recrutamento inclusivos, benefícios equitativos? Quantas falam da comunidade LGBTQIA+ fora da agenda? Quantas apoiam causas e organizações ao longo de todo o ano?
Em 2025, muitos logótipos mantiveram-se nas suas cores originais. Não porque a causa tenha perdido relevância, mas porque, com as mudanças políticas e sociais, o risco reputacional mudou de lado. As marcas deixaram de ser inclusivas… ou deixou de ficar bem dizê-lo?
É aqui que se torna evidente a diferença entre ‘storytelling’ e ‘storydoing’. Entre pôr um filtro no perfil e garantir que ninguém dentro da empresa precisa de usar um para ser aceite. Entre dizer “somos aliados” e continuar a sê-lo quando já não rende aplausos. Porque propósito não é campanha. É cultura. É política interna. É cadeia de valor.
Ainda há quem o veja como acessório emocional, útil para relações públicas ou comunicação institucional. Mas a verdade é que, quando vivido com consistência, o propósito é um motor de performance. Não rouba foco nem atrasa; orienta. E sobretudo, não se improvisa, porque propósito não é ‘claim’. É prática.
A isso chama-se ‘storydoing’. Fazer antes de dizer. Ser antes de parecer. Assumir que o propósito não se mede em cliques, mas em escolhas. Que vive menos na campanha de lançamento e mais nas decisões difíceis. Que se vê menos no palco e mais nos bastidores.
As marcas ‘purpose driven’ não são as que dizem “acreditamos”. São as que mostram que estão dispostas a lutar para não trair o que acreditam. Porque propósito sem ação é só intenção. E disso, o mundo está cheio e já não diferencia.
Artigo de Opinião em: Meios & Publicidade | Texto de: Gabriel Augusto