#FLAGvox | IA e influenciadores digitais: Um dilema de transparência?

Esta não é apenas uma reflexão sobre tecnologia. É sobre valores, autenticidade e responsabilidade. A IA pode gerar beleza artificial mas não fabrica confiança.

Não dormem. Não exigem cláusulas de exclusividade complicadas. Não têm crises de ego. Nunca se atrasam para uma sessão fotográfica. Nunca publicam algo fora de alinhamento. Estão sempre prontos para a próxima campanha. Os influenciadores digitais criados por inteligência artificial podem ser o sonho de qualquer marca: alinhamento total, controlo absoluto e zero dramas.

O caso de “Mia Zelu” mostrou como isto já é uma realidade. Apresentada nas redes como uma influencer carismática, com viagens de sonho e uma vida aparentemente autêntica, acumulou mais de 160 mil seguidores em poucas semanas. Só que Mia nunca existiu. Cada imagem, cada cenário, cada frase foi criada por IA. Quando a verdade veio ao de cima, a reação dividiu-se entre o fascínio e a sensação de engano. E é precisamente neste espaço de tensão que vos convido à reflexão: estamos perante o futuro do marketing de influência ou à beira de uma crise de confiança sem precedentes?

Se, por um lado, a proposta é irresistível (menos riscos, mais previsibilidade e uma estética imaculada), há um paradoxo que não podemos ignorar. A influência sempre viveu da identificação, daquele instante em que alguém vê uma publicação e pensa “podia ser eu”. Ao eliminar a imperfeição humana, corre-se o risco de eliminar também a ligação emocional que sustenta a confiança. Um avatar pode parecer real, mas não sente, não erra, não vive. E, por mais polida que seja a narrativa, o público reconhece quando algo é apenas encenação.

O dilema intensifica-se quando falamos de transparência. Devem as marcas declarar de forma explícita que a figura que vemos é gerada por IA? Muitos defendem que sim, para proteger a relação com o consumidor e evitar acusações de manipulação. Outros, porém, argumentam que, se a experiência for envolvente e coerente, a origem pouco importa.

Há ainda um risco maior: a erosão da confiança no próprio ecossistema digital. Deepfakes, campanhas enganosas e conteúdos hiper-realistas já provaram o poder destrutivo de tecnologias que se fazem passar por realidade. Se as marcas entrarem neste jogo sem regras claras, podem estar a trocar ganhos imediatos por uma crise de reputação duradoura.

Nada disto significa que os influenciadores virtuais devam ser banidos. Pelo contrário, há usos criativos e legítimos que podem fortalecer uma marca: desde personagens assumidamente ficcionais, criadas para storytelling ousado, até experiências imersivas onde o digital é parte assumida da narrativa, com regras claras desde o início.

Esta não é apenas uma reflexão sobre tecnologia. É sobre valores, autenticidade e responsabilidade. A IA pode gerar beleza artificial mas não fabrica confiança. Essa continua a depender de escolhas humanas. E talvez a pergunta não seja se o influenciador é real, mas se a relação que a marca constrói com o público o é. Porque, quando a imagem é perfeita mas a pessoa não existe, a transparência deixa de ser detalhe e passa a ser a única ponte capaz de sustentar a confiança.

Artigo de Opinião em: +M | Texto de: Gabriel Augusto

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