#FLAGvox | Criatividade é música para os meus ouvidos
Criatividade sob a perspetiva de João Nuno Pinto.
O tema da criatividade é muito apaixonante, pois trata-se de abordar uma competência que tem sido, ao longo da história da humanidade, uma força motriz para os maiores avanços civilizacionais.
Acredito que todos somos criativos em potencial, pelo menos à nascença, senão veja-se a criatividade genuína que as crianças têm e o papel central que a mesma desempenha no seu desenvolvimento, depois, como um músculo, trata-se de estimular e trabalhar esse potencial, concretizando-o e fortalecendo-o ao longo da nossa vida.
Recentemente tomei contacto com um livro fascinante intitulado “The Creative Act: a way of being” do Rick Rubin, merecidamente reconhecido como um dos mais importantes produtores da indústria discográfica das últimas décadas. Desde meados dos anos 80 até aos dias de hoje, ele tem liderado a produção de álbuns que inauguraram novos estilos musicais com muito sucesso, assente numa forma muito própria de colocar em ação a criatividade, matéria-prima já de si inerente à arte da música.
Rick Rubin diz de si próprio pouco saber de música, ser pouco hábil a tocar instrumentos, ou ter limitações técnicas ao nível da gravação. Nunca aprendeu música de um ponto de vista teórico. Então como se tornou um produtor que os artistas procuram quando querem lançar ou relançar as suas carreiras?
Segundo ele, basicamente duas coisas: ele consegue criar contextos colaborativamente criativos e consegue ver o que os outros não veem e faz as pessoas acreditarem na sua visão. Comecemos por este último tão importante nas lideranças.
Rick Rubin começa por nos dizer que sem abraçar uma componente quase espiritual o criativo parte em desvantagem. Ele define como componente espiritual o acreditar em algo maior, acreditar em algo diferente, o abraçar o extraordinário, uma vez que o comum já está ocupado. Talvez por isso ao longo da sua carreira Rick Rubin tenha estado na origem de tantas sonoridades diferentes. Ele diz, e esta nota é particularmente importante em ambiente empresarial, que apenas com a razão construímos obras mais pequenas para nós próprios. Ela desafia-nos a criar algo que até ser criado não fazia sentido, mas depois de acontecer nos parece tão simples (quantos exemplos não temos deste tipo de criações que mudaram as nossas vidas, a eletricidade, a internet ou mais recentemente a inteligência artificial). Acreditar para ele é um superpoder e exemplifica dizendo que se os Wright Brothers achassem que seria impossível ao homem voar, talvez hoje não tivéssemos aviões.
Sobre criar contextos colaborativamente criativos ele aponta a paixão pelo que se está a fazer como uma força motriz, aliado ao que ele chama uma “beginners mind” e que reside numa curiosidade crónica sobre as coisas, numa abertura a novas perspetivas e sobre não nos deixarmos dominar por dogmas ou pelo que já conhecemos (ou assim achamos). A isto ele junta a ausência de crítica no processo criativo, a capacidade de convocar todos na construção da ideia, de juntar perspetivas diferentes e desejavelmente multidisciplinares, sobretudo importante para a primeira das três fases que ele nos sugere no processo de criação. A saber:
- Semear – o momento de gerar e juntar ideias, diferentes, dispersas, não ceder à tentação de ficar pela primeira ideia, ou de julgar a nossa como a melhor.
- Regar – é o momento de escolher algumas ideias e “prototipar”, desenvolve-las e pô-las a teste.
- Crafting – este é o momento em que finalmente entra a racionalidade no processo criativo e serve sobretudo para aperfeiçoar a “obra” cortando o que é supérfluo.
Ele diz que, desejavelmente as duas primeiras fases não têm prazos definidos (o que é muito pouco compatível com realidades empresariais), pois somente quando conseguimos “descodificar” a ideia é que avançamos para a fase final, já de aperfeiçoamento, onde colocamos prazos. Apenas uma curiosidade: é por esta razão que ele explica que existem bandas que lançam primeiros álbuns que são sucessos incríveis e depois num segundo álbum falham. Basicamente porque no primeiro álbum tiveram todo o tempo do mundo para o conceptualizar, ninguém os pressionou (não eram ainda conhecidos, ninguém esperava por eles) e depois, para os álbuns seguintes já tinham a pressão dos prazos impostos pelo mercado e pelas editoras.
Termino este texto, juntando algo que na minha experiência me tem ajudado no tema da criatividade: o recurso a metáforas, o pensar noutras realidades e aplicar à nossa. Quantas vezes não encontrei nas artes: música, literatura, cinema e outras, soluções para desafios empresariais. Afinal o que é este texto senão uma metáfora, em que um produtor musical inspira um gestor, ambos responsáveis por liderar e criar contextos colaborativamente criativos, no primeiro caso um grupo de músicos especializados em diferentes instrumentos, e no segundo um grupo de colaboradores especializados nas suas áreas de responsabilidade. Mas nuns e noutros, a magia acontece quando conseguimos criar em conjunto. Quando assim acontece, a criatividade é, para além de tudo mais, recreativa.
Este artigo de opinião faz parte do eBook FLAG “Criatividade em Perspetiva, que reúne, página a página, reflexões e ensaios profundamente enriquecedores de diversos profissionais sobre as multifacetadas dimensões da Criatividade.
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