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#FLAGvox | “Criatividade – Parece Magia”

Criatividade sob a perspetiva de Tiago Dias.

Um dos meus escritores favoritos de ficção-científica tem uma daquelas frases clichezonas, dignas de um Pinterest de sabedoria barata. Uma daquelas frases que está presente no consciente coletivo do século XX em diante, ou no inconsciente, depende do quão gostem de Arthur C. Clark. Ainda assim, uma daquelas frases tão insightful sobre a natureza da realidade e a forma como nós, seres humanos, a descodificamos que é perfeita para começar por fazer revirar alguns olhos mas, com sorte, também revirar alguns mindsets.

“Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. Fácil de entender, certo? Por outras palavras, seguindo a mesma lógica, podemos dizer que “qualquer processo que não consiga ser cientificamente explicado é indistinguível da magia”.

Qual é a origem do universo?
Qual é a origem da vida?
Qual é a natureza da matéria negra?
Mais quantas temporadas de ‘Curb Your Enthusiasm’ vão existir?

Existem questões neste universo para as quais não temos resposta. Parecem magia. O processo criativo não é uma delas.

A criatividade é uma das forças mais poderosas que impulsionam a humanidade. Blah. Blah Blah. Desde a altura em que fazíamos banda desenhada em pedras até aos dias de hoje, a criatividade tem sido a chama que alimenta a inovação, a expressão e o progresso em todas as áreas da vida. Blah. Blah. Blah. Parece magia.

No entanto, por trás desta aparente magia, há uma complexidade subjacente que muitas vezes passa despercebida, quer passar despercebida ou despercebe-se a si própria.

Perigoso, isto. Ainda mais perigoso quando romantizado como uma faísca de inspiração divina que parece surgir do nada. Como uma epifania, uma revelação súbita que ilumina a mente e transforma o comum em extraordinário.

“A vida imita a arte”, outro clichezão digno de stories de Instagram. (Desculpa, Oscar Wilde). A vida imita a arte!? Eh. Achamos mesmo que os momentos eureka hollywoodescos têm lugar no mundo real? Vá lá…

Esta perceção romântica da criatividade é alimentada pela ideia de que as ideias são geradas num vácuo, sem conexão aparente com a realidade tangível. É como se os artistas, os inventores, os visionários, os publicitários fossem meros recetáculos de uma força transcendental que os guia na criação de algo novo e único. Não somos.
Perigoso, isto. Não trabalhamos no domínio dos milagres, de divinações e clarividências nem de seres iluminados, por mais recorrente que seja a piada que já não é piada “com este deadline, só um milagre”.

Este tipo de narrativa só minimiza o esforço de todo o processo, desde a estratégia à materialização criativa. É desingenuous (em inglês, que me parece menos controverso que a tradução em português) para nós publicitários, para os nossos clientes e para quem está a começar. É autossabotagem.

A criatividade é um processo lógico e estruturado. Por trás de cada obra de arte, de cada inovação tecnológica e de cada campanha publicitária, há um método, um raciocínio cuidadosamente elaborado e um processo iterativo de tentativa e erro.

A criatividade não surge do nada, é cultivada por meio da observação, da experimentação e do esforço contínuo. Cada ideia criativa é o resultado de um processo mental complexo que envolve a síntese de informações, a associação de conceitos aparentemente desconexos e a aplicação de técnicas específicas de resolução de problemas.

Se quisermos ser um pouco mais académicos, a criatividade começa na estratégia, ao identificarmos um problema para resolver, um insight que nos permita manipular a realidade de modo a gerarmos uma solução estratégica, ou por outras palavras, uma ideia informada sobre como solucionar o problema e, de seguida, damos forma a essa ideia.

A solução criativa pode surgir de uma experiência pessoal, de uma observação casual do mundo que nos rodeia, de técnicas de cocriação ou até mesmo de um momento de contemplação solitária. Mas a transformação dessa inspiração em algo tangível requer mais do que apenas uma manifestação fugaz, de um insight divino e de um conceito milagroso. Exige dedicação, disciplina e uma compreensão profunda do contexto da marca e do target e tudo o que em torno deles gravita.

Bora lá não fazer disto um filme do David Lynch, porque até os universos Lynchianos seguem uma lógica interna.

Isto não é nada de novo. É um lembrete.

Isto não é um ensaio contra a criatividade. Isto não é a minimização do processo. É o oposto.

 

Este artigo de opinião faz parte do eBook FLAG “Criatividade em Perspetiva, que reúne, página a página, reflexões e ensaios profundamente enriquecedores de diversos profissionais sobre as multifacetadas dimensões da Criatividade.

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