#FLAGvox | Da Resistência à Ação: Como o Design Thinking Humaniza a Transformação Digital

A adoção de tecnologias digitais para otimizar e facilitar o nosso trabalho, não é novidade: recordemos que o primeiro computador eletrónico digital (ENIAC) surgiu já lá vão mais de 75 anos. Então o que mudou? A velocidade da mudança, a “inteligência” e democratização das ferramentas. Vivemos hoje vários cenários do “Regresso ao Futuro” e adotamos novas tecnologias a um ritmo alucinante: o GPT 3.5, em apenas dois meses, conseguiu atingir 100 milhões de utilizadores ativos em todo o mundo, um feito que a Netflix demorou 10 anos a conquistar. Hoje temos “bots” que aprendem e respondem a dúvidas, óculos que criam realidades alternativas e ajudam a realizar operações cirúrgicas de elevada precisão, robôs humanoides que reforçam o staff de grandes indústrias, e temos computadores quânticos, que realizam cálculos 47 anos mais rápido do que um supercomputador.
A transição digital tornou-se inevitável e uma prioridade estratégica para os gestores de negócio: segundo a European Marketing Confederation, para este ano, os gestores de marketing estabeleceram a digitalização, implementação de martech e adoção de ferramentas de inteligência artificial, como o top das prioridades estratégicas. A digitalização acarreta várias oportunidades para as grandes, mas especialmente, para as PMEs: permite aceder a novos mercados; testar a viabilidade de novos negócios, a baixo custo; melhorar a experiência do cliente, através de informação em tempo real sobre os seus hábitos, gostos e desejos; antecipar cenários e tomar decisões mais fundamentadas; automatizar processos e, por isso, reduzir custos, entre outras.
Parece tudo fantástico, mas… quem por aí, perante o ritmo frenético de surgimento de novas tecnologias e ferramentas, todos os dias, se sente como o David arrastado pela avalanche de Golias? As oportunidades são muitas, mas os desafios também: este ano tive a oportunidade de participar em alguns eventos sobre transição digital nas PMEs, onde os participantes, fundadores e gestores de PMEs, quando questionados sobre os principais desafios sentidos neste processo de digitalização, nomearam como principais problemas: a resistência à mudança, a falta de literacia digital, a rapidez da mudança e excesso de ferramentas e, aquele que é muitas vezes mascarado como mau feitio, o medo dos colabores de serem substituídos.
Por outro lado, ainda temos as armadilhas onde caímos vislumbrados por todas estas novidades: começamos a integrar tecnologia, sem antes arrumarmos a casa! Sem sabermos qual é a nossa proposta de valor, sem conhecermos a jornada do cliente, as emoções, necessidades, dores e motivações das pessoas. Sabem o que é que os Google Glass e a TV 3D têm em comum? Falharam. Mas porquê? Tecnologia em primeiro, e depois as pessoas. Os Google Glass, para além de revelarem vários problemas de privacidade dos dados e imagens das pessoas, não conseguiram explicar a sua mais-valia, nem a necessidade a que davam resposta. O televisor 3D funcionava perfeitamente bem, o problema é que os fabricantes descuraram um dos pontos essenciais da jornada de experiência, os óculos 3D, que causavam desconforto ocular aos utilizadores. Estas soluções, e tantas outras inovações digitais, falharam pela mesma razão: falta de orientação para as pessoas. E é aqui que a abordagem de Design Thinking, pode ajudar.
O Design Thinking, também conhecido como Human-Centered Design Thinking surge como uma abordagem de resolução de problemas complexos, cujo diferencial é o facto de tudo começar com as pessoas, mais propriamente com a descoberta e compreensão profunda das suas necessidades, comportamentos e contextos.
Aplicando os preceitos do pensamento de design, o processo de transição digital deverá começar pelo levantamento e compreensão das necessidades e dores do sistema de pessoas impactado por estas mudanças: entenda-se por pessoas todos os stakeholders, sejam os acionistas (que irão suportar os custos), sejam os clientes (que irão usufruir dos resultados), sejam os fornecedores (com os quais podemos estabelecer parcerias), sejam, especialmente, os colaboradores, cujo dia-a-dia e forma de trabalhar será profundamente impactada pela introdução destas tecnologias.
Todas as mudanças são desconfortáveis, todos nós gostamos de conforto e previsibilidade. E tudo bem, é saudável termos momentos de estabilidade. No entanto, por vezes, deixamo-nos levar pela “máquina de lavar dos dias”, e vamos estagnando…se juntarmos a isto estruturas e culturas organizacionais muito verticais e com um estilo de liderança e comunicação fechado, temos a fórmula para uma mudança resistente. Começar este processo de transição por envolver as pessoas, dando-lhes voz, num ambiente de confiança e colaboração (esta parte é muito importante e implica mudar as entranhas da cultura organizacional), permite ir partindo essa rigidez, gerar recetividade e entusiasmo nas pessoas, e acima de tudo, estabelecer uma comunicação empática e transparente, onde as verdadeiras razões da resistência (e dos medos) são expostas e, por isso, passíveis de resolver, pela raiz. Para além da empatia e colaboração, o Design Thinking revela outros pilares de mindset que apoiam os processos de mudança, como a confiança criativa, experimentação e iteração contínua. Num contexto onde existe liberdade para experimentar e errar, as pessoas tendem a ser mais proativas na procura de alternativas para melhorar os processos, estando mais confortáveis em ambientes ambíguos e de mudança. Criar espaço para a realização de experimentos (mesmo que pequenos) e empoderar os colaboradores com (auto) confiança criativa promove um ambiente onde a experimentação e iteração rápida de soluções fazem parte da forma de trabalhar.
Assim sendo, em qualquer processo de transição, recomendo que se comece por observar as pessoas, os seus comportamentos e as suas rotinas de trabalho e por ouvir essas pessoas, com “olhos e ouvidos” de investigador, procurando descobrir as dores e a compreensão das mesmas. Criem a oportunidade para conversas francas, em segurança, onde exista espaço para a partilha sem julgamento. Por vezes ajuda, envolver um profissional externo, imparcial e sem bagagem. E por fim, para fazer face ao Golias esmagador das ferramentas, sugiro que promovam projetos de experimentação e teste de algumas soluções, de forma rápida e focada na resposta a problemas específicos. Comecem pequeno, por prototipar uma parte da solução e submetê-la a um ciclo curto de feedback em ambiente controlado. Assim, garantimos que tudo começa com as pessoas, e não com a tecnologia. A tecnologia é importante, aliás até faz parte das tais lentes da inovação. No entanto, esta deve servir as pessoas e não o contrário.
Artigo de opinião escrito por Dina Oliveira.
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