#FLAGvox | Fuga em Trend Menor
Este artigo podia ser só isto – Tendências do Design contemporâneo:
Minimalismo robusto;
Gradientes complexos;
Elementos 3D;
Formas geométricas abstratas;
Pixel Art;
Surrealismo;
Fim.
Fala-se em Tendências do Design apenas com o foco no campo visual. Erroneamente, diga-se.
Interrogar-se-á então o leitor ou leitora – “Não é exatamente nesse campo que nos devemos focar quando se fala em Tendências do Design?”.
O problema é que muitos dos digníssimos tendem a olhar para o Design da mesma forma como se olha para a Arte – acham tudo subjetivo.
Ora, no meu tempo – já cheguei àquela idade em que posso dizer “no meu tempo” – o Design era muito mais que o âmbito visual. Design era intelectualidade, racionalidade, conhecimento, pedagogia e pragmatismo. Tudo junto resultava em algo muito giro chamado Objetividade.
Há muito desaparecidos, parece que estes âmbitos estão de volta. E assim espero! É que começa a ser confrangedora a “tendência”, de alguns caríssimos, em defender escolhas bastante questionáveis com a premissa da Subjetividade. Uma espécie de carta “Você está livre da prisão” como no Monopoly.
A reboque dos Jogos Olímpicos de Paris provou-se, recentemente, que andamos todos muito preocupados com o trendy e muito pouco focados na Objetividade do Design.
Porém, antes de entrar nesta temática, deixo umas sugestões de autores e publicações a consultar: Sagi Haviv, Tom Geismar, Serge Chermayeff e o Livro “Identify: Basic Principles of Identity Design in the Iconic Trademarks of Chermayeff & Geismar” e ainda Massimo Vignelli (se conseguirem deitar a mão à edição de 1987 de “Design is One” não a deixem fugir).
Do trabalho e da obra editada destes senhores retira-se um conjunto de “regras” tácitas no que toca ao Design, todas no âmbito do intelectual, do racional, do pedagógico, do pragmático e do conhecimento e que resultam, portanto, em Objetividade.
Voltemos então aos Jogos Olímpicos de Paris e à sua identidade criada por Sylvain Boyer. Para alguns parece o logo de um cabeleireiro, para outros um ícone de uma App de encontros. E é exatamente nesta discussão que se demonstra o enviesamento avaliativo do trend.
Tomando como referência as regras tácitas que mencionei há pouco, esmiucemos a identidade das Olimpíadas de 2024:
Regra 1 – O design deve ser memorável.
Sim! Muito dificilmente o logo em causa irá cair no esquecimento. Havemos de chegar a 2028 e ainda nos iremos lembrar da chama que era uma figura feminina.
Sejam honestos, quem é que ainda se recorda do logo dos jogos de 2020 ou de 2016? Mesmo que sim, conseguem descrevê-los de forma tão resumida e clara como o fazem com o logo de 2024? E não venham com argumento de que ainda é muito recente.
Regra 2 – Qualquer indivíduo com ou sem conhecimento técnico deverá ser capaz de “rabiscar” os elementos constituintes.
Sim! Sem voltar a olhar para a versão original, os leitores vão agarrar em papel e lápis e, em traços gerais, vão ser capazes de reproduzir o logo. Mesmo que mal desenhado, quem o observar vai dizer – “Olha, é o logo das Olimpíadas de Paris”. Isto só prova como o pragmatismo das formas usadas torna tudo tangível e universal.
Ainda nesta nota, lembrei-me deste clássico – “Isto até o meu miúdo de 5 anos fazia”.
Ainda bem, meu caro senhor ou senhora. Se o seu filho é capaz de desenhar o que acaba de ver é sinal que funcionou, que entrou de forma clara no córtex visual do petiz. Agora, uma coisa lhe digo: a criança que tem em casa não será capaz de pensar estrategicamente num conjunto de formas, combiná-las, simplificá-las e atribuir-lhe um racional criativo. Se o seu filho for capaz de o fazer os meus parabéns! Tem em casa Designer dos bons.
Regra 3 – Tanto quanto possível deve existir no Design um valor cultural, histórico e/ou social de carácter pedagógico/Intelectual.
O facto da tendência das pesquisas Google nas semanas dos jogos ter sido – “Quem é Marianne?”, suporta fortemente este papel do Design.
Com efeito, com o logo das Olimpíadas de 2024 ficámos todos a saber quem é esta figura, esta metáfora da república francesa, este símbolo da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
Regra 4 – O Design é-nos Familiar.
Sim! Todos nós conhecemos as forma patentes no logo das Olimpíadas de Paris. Conhecemos aquela combinação, temos todos a sensação de que já vimos aquilo em qualquer sítio e isso só reforça a Regra 1. É porque nos recorda de alguma coisa, que nos permite criar uma associação e, por sua vez, guardar na memória.
Em síntese, estar constantemente a alimentar o tema – “Qual será qual a próxima trend no Design?” – leva-nos a olhar para o mesmo de forma muito superficial e subjetiva. Objetivamente, o logo dos Jogos Olímpicos de 2024 é uma peça de Design bem executada, está lá tudo, o pragmatismo, a pedagogia, o conhecimento, a racionalidade e a intelectualidade.
“Então e a estética, não se fala disso, não tem peso no Design? – Pergunta certamente o estimado leitor ou a estimada leitora.
Como já gastei 4971 caracteres dos 5000 a que tinha direito só me resta dizer – “Despeço-me com amizade, até ao próximo programa”.
Artigo de opinião escrito por Ricardo Guerreiro.
Este artigo de opinião faz parte do eBook FLAG “Design em Perspetiva – As Múltiplas Facetas do Design” que reúne reflexões e ensaios de 14 profissionais que partilham as suas perspetivas sobre o papel do design na sociedade atual e futura.
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